terça-feira, 19 de março de 2013

A LINGUAGEM NÃO SE CALA



        
NELL
Direção: Michael Apted
Ano: 1994
EUA - Gênero: Drama 

 Coloque-se na posição de uma criança sentada ao chão da sala, diante daquele ancião contador de estórias que leva você a viajar na imaginação e prender a respiração na ansiedade do desfecho de um conto. Colocou-se? Pois, esse poderá ser o seu estado de espírito ao assistir a esse drama que nos remete ao personagem Mogli, o menino selvagem, criado na selva por lobos e induzido a buscar a civilização e o contato com os homens, porém nesse filme o menino dá lugar a uma mulher criada por uma anciã aparentemente vítima de um estupro e com seqüelas oriundas de um derrame cerebral que paralisou um lado do seu rosto e prejudicou a sua fala, uma história que apresenta um enredo com um diálogo entre a aquisição da linguagem, a essência humana da personagem Nell, uma reflexão interativa sobre as idéias cientificas, jurídicas e religiosas, o conflito entre razão e emoção na batalha judicial para resolver o rumo que deverá ser dado a vida de uma pessoa marginalizada como selvagem e incapaz pelo simples fato de não ser entendida verbalmente, o filme traz ao mesmo tempo uma excelente abordagem com a luneta focada no respeito às diferenças e as opções do outro enquanto ser humano e social.  “Nell” é um filme da Fox Vídeo sob a direção de Michael Apted (Diretor de As crônicas de Narnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada e Stardust: O Mistério da Estrela) e tem como principais atores, Jodie Foster, Liam Neeson e Natasha Richardson. Nell aborda os aspectos linguísticos da fala, da linguagem e da comunicação como fator social.
        O filme é envolvente e de uma dramaticidade contagiante, a luta do médico Jerry Lovell (Liam Neeson), e da psicóloga Paula Olsen (Natasha Richardson), pelo entendimento linguístico e comportamental da protagonista durante a trama, acontece com condutas diferentes e discordantes. A psicóloga afirma que Nell tem distúrbios psicopáticos e Jerry defende o argumento de que a mesma utiliza um dialeto como forma de comunicação e faz de tudo para comprovar suas idéias e evitar que Nell seja tratada num hospital como se fosse um rato de laboratório. O filme é intrigante e um excelente suporte para reflexão das nossas imposições ao outro, bem como, das tomadas de ações decisivas e egoístas em todos os segmentos das relações humanas e sociais sem a devida preocupação de colocarmo-nos por instantes na posição inversa de determinados conflitos.
        O drama tem um rico material reflexivo e pode servir também para discussões em salas de aulas voltadas para o ensino aprendizado, pois o seu enredo faz uma alusão, subjetivamente para alguns e explicitamente para outros, às teorias e estudos de alguns pesquisadores encontrados no texto, que eu tive o prazer de fazer a leitura, de Alessandra Del Ré (A Pesquisa em Aquisição da linguagem: Teoria e Prática). Na prática, por exemplo, podemos notar no decorrer do filme, o médico Jerry buscando interagir com Nell nas suas ações cotidianas, como o banho sem roupas no lago a noite  para ganhar a sua confiança e em seguida praticar a técnica behaviorista do estimulo e resposta ao induzir Nell, com um saquinho de pipocas, a sair de casa durante o dia para interagir com outros espaços do seu habitat natural e perder a fobia do Maufeu (Homem mau implantado em seu imaginário pela sua mãe para que ela não fosse vista ao dia e sofresse qualquer tipo de violência) e poder contemplar o sol e o vento com movimentos corporais expressando a alegria de dominar o seu medo, cantando a música Crazy, ouvida numa noite anterior durante as observações dos pesquisadores. Essa dança ao  ar livre sob os raios do sol é um momento sublime de libertação e também de enfoque para a capacidade de memorização e consequente enriquecimento do léxico da protagonista, chamando a atenção para a sua facilidade em aprender e adaptar-se sem perder a sua idiossincrasia nem a sua base de conhecimentos linguísticos. 
        Segundo Vygotsky A base para o desenvolvimento linguístico infantil está na associação entre a interação social e a troca comunicativa com o outro, que pode ser não apenas um adulto, mas também uma criança. Um intermediador que em primeira instancia seria a mãe de Nell e, num segundo momento poderia ser uma irmã ou uma colega para dividir momentos de lazer, brincadeiras com gestos e canções como a que Nell faz diante do espelho e da pedra no lago como se estivesse brincando com outra pessoa, são os chamados tutores citados no texto de Del Ré. Os Doutores Jerry Lovell e Paula Olsen dão continuidade a essa relação de tutor e aprendiz com a intenção de prepararem a sua aluna para a compreensão de novos mundos e linguagens, contudo, eles tem o privilégio de aprenderem muito com a beleza natural da personagem Nell.
        Podemos notar, respectivamente, nas cenas do banho no lago e da pipoca como meio de tirá-la de casa que uma proposta (Sociointeracionista) serviu de suporte a outra (Empirista) sendo que, as pesquisas interacionistas de Vygotsky tem um destaque maior na trama e comprova que o médico estava certo, Nell realmente falava a língua materna, porém com a mesma dificuldade de comunicação da sua mãe, único modelo de falante a que ela fora apresentada e mantivera uma convivência, porém nada selvagem, pois, a mãe da protagonista conseguiu transmitir valores religiosos, respeito ao outro, mitos e tradições fúnebres, esse ultimo podendo ser visto no uso da imagem das rosas para a cerimônia de despedida sobre os olhos da mãe. Talvez o diretor quisesse deixar uma mensagem subjetiva acerca da essência humana não se encontrar a frente dos olhos das pessoas e sim por trás de cada olhar e comportamento, pois, segundo o dicionário dos símbolos a Rosa representa a beleza e Nell vem através da obra representar a beleza, a natureza humana idealizada por sonhadores e por pessoas que ainda creditam esperanças no homem que trata o outro com cordialidade independente de sua cultura letrada, religiosa, do seu sincretismo e de outras diversidades mais. Portanto ou tão pouco, dependendo do ponto de vista de cada leitor, motivado pelas impressões passadas pelo filme, pelo seu conteúdo grandioso e reflexivo, eu indico e recomendo essa obra para todos sem distinção de classe, clero ou profissão, Nell é um filme para repensar conceitos e socializar conhecimentos.
Por: Moisés Carneiro 

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