NELL
Direção: Michael Apted
Ano: 1994
EUA - Gênero: Drama
Coloque-se na posição de uma criança sentada ao chão da sala,
diante daquele ancião contador de estórias que leva você a viajar na imaginação
e prender a respiração na ansiedade do desfecho de um conto. Colocou-se? Pois,
esse poderá ser o seu estado de espírito ao assistir a esse drama que nos
remete ao personagem Mogli, o menino selvagem, criado na selva por lobos e
induzido a buscar a civilização e o contato com os homens, porém nesse filme o
menino dá lugar a uma mulher criada por uma anciã aparentemente vítima de um
estupro e com seqüelas oriundas de um derrame cerebral que paralisou um lado do
seu rosto e prejudicou a sua fala, uma história que apresenta um enredo com um
diálogo entre a aquisição da linguagem, a essência humana da personagem Nell,
uma reflexão interativa sobre as idéias cientificas, jurídicas e religiosas, o
conflito entre razão e emoção na batalha judicial para resolver o rumo que
deverá ser dado a vida de uma pessoa marginalizada como selvagem e incapaz pelo
simples fato de não ser entendida verbalmente, o filme traz ao mesmo tempo uma
excelente abordagem com a luneta focada no respeito às diferenças e as opções
do outro enquanto ser humano e social.
“Nell” é um filme da Fox Vídeo sob a direção de Michael Apted (Diretor
de As crônicas de Narnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada e Stardust: O
Mistério da Estrela) e tem como principais atores, Jodie Foster, Liam Neeson e
Natasha Richardson. Nell aborda os aspectos linguísticos da fala, da linguagem
e da comunicação como fator social.
O filme é envolvente e de uma dramaticidade contagiante, a
luta do médico Jerry Lovell (Liam Neeson), e da psicóloga Paula Olsen (Natasha
Richardson), pelo entendimento linguístico e comportamental da protagonista
durante a trama, acontece com condutas diferentes e discordantes. A psicóloga
afirma que Nell tem distúrbios psicopáticos e Jerry defende o argumento de que
a mesma utiliza um dialeto como forma de comunicação e faz de tudo para
comprovar suas idéias e evitar que Nell seja tratada num hospital como se fosse
um rato de laboratório. O filme é intrigante e um excelente suporte para
reflexão das nossas imposições ao outro, bem como, das tomadas de ações
decisivas e egoístas em todos os segmentos das relações humanas e sociais sem a
devida preocupação de colocarmo-nos por instantes na posição inversa de
determinados conflitos.
O drama tem um rico material reflexivo e pode servir também
para discussões em salas de aulas voltadas para o ensino aprendizado, pois o
seu enredo faz uma alusão, subjetivamente para alguns e explicitamente para
outros, às teorias e estudos de alguns pesquisadores encontrados no texto, que
eu tive o prazer de fazer a leitura, de Alessandra Del Ré (A Pesquisa em
Aquisição da linguagem: Teoria e Prática). Na prática, por exemplo, podemos
notar no decorrer do filme, o médico Jerry buscando interagir com Nell nas suas
ações cotidianas, como o banho sem roupas no lago a noite para ganhar a sua confiança e em seguida
praticar a técnica behaviorista do estimulo e resposta ao induzir Nell, com um
saquinho de pipocas, a sair de casa durante o dia para interagir com outros
espaços do seu habitat natural e perder a fobia do Maufeu (Homem mau implantado
em seu imaginário pela sua mãe para que ela não fosse vista ao dia e sofresse
qualquer tipo de violência) e poder contemplar o sol e o vento com movimentos
corporais expressando a alegria de dominar o seu medo, cantando a música Crazy,
ouvida numa noite anterior durante as observações dos pesquisadores. Essa dança
ao ar livre sob os raios do sol é um
momento sublime de libertação e também de enfoque para a capacidade de
memorização e consequente enriquecimento do léxico da protagonista, chamando a
atenção para a sua facilidade em aprender e adaptar-se sem perder a sua
idiossincrasia nem a sua base de conhecimentos linguísticos.
Segundo Vygotsky A base para o desenvolvimento linguístico
infantil está na associação entre a interação social e a troca comunicativa com
o outro, que pode ser não apenas um adulto, mas também uma criança. Um
intermediador que em primeira instancia seria a mãe de Nell e, num segundo
momento poderia ser uma irmã ou uma colega para dividir momentos de lazer,
brincadeiras com gestos e canções como a que Nell faz diante do espelho e da
pedra no lago como se estivesse brincando com outra pessoa, são os chamados
tutores citados no texto de Del Ré. Os Doutores Jerry Lovell e Paula Olsen dão
continuidade a essa relação de tutor e aprendiz com a intenção de prepararem a
sua aluna para a compreensão de novos mundos e linguagens, contudo, eles tem o
privilégio de aprenderem muito com a beleza natural da personagem Nell.
Podemos notar, respectivamente, nas cenas do banho no lago e
da pipoca como meio de tirá-la de casa que uma proposta (Sociointeracionista)
serviu de suporte a outra (Empirista) sendo que, as pesquisas interacionistas de
Vygotsky tem um destaque maior na trama e comprova que o médico estava certo,
Nell realmente falava a língua materna, porém com a mesma dificuldade de
comunicação da sua mãe, único modelo de falante a que ela fora apresentada e
mantivera uma convivência, porém nada selvagem, pois, a mãe da protagonista
conseguiu transmitir valores religiosos, respeito ao outro, mitos e tradições
fúnebres, esse ultimo podendo ser visto no uso da imagem das rosas para a
cerimônia de despedida sobre os olhos da mãe. Talvez o diretor quisesse deixar
uma mensagem subjetiva acerca da essência humana não se encontrar a frente dos
olhos das pessoas e sim por trás de cada olhar e comportamento, pois, segundo o
dicionário dos símbolos a Rosa representa a beleza e Nell vem através da obra representar
a beleza, a natureza humana idealizada por sonhadores e por pessoas que ainda
creditam esperanças no homem que trata o outro com cordialidade independente de
sua cultura letrada, religiosa, do seu sincretismo e de outras diversidades
mais. Portanto ou tão pouco, dependendo do ponto de vista de cada leitor,
motivado pelas impressões passadas pelo filme, pelo seu conteúdo grandioso e
reflexivo, eu indico e recomendo essa obra para todos sem distinção de classe,
clero ou profissão, Nell é um filme para repensar conceitos e socializar
conhecimentos.
Por: Moisés Carneiro